Impactos já ultrapassam o comércio exterior e colocam em xeque a estratégia do Planalto para manter competitividade
Trinta dias após a imposição da tarifa adicional de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos, os primeiros efeitos concretos do chamado “tarifaço” revelam mais do que um choque passageiro no comércio exterior: apontam fragilidades estruturais da economia brasileira e expõem a dificuldade do governo em reagir com rapidez a medidas unilaterais de potências globais.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% em agosto. O impacto foi devastador em setores estratégicos: minério de ferro, aço e açúcar registraram queda entre 23% e 100%, enquanto aeronaves e celulose, mesmo fora da lista diretamente atingida, também sentiram os reflexos da retração.
O contrapeso da China — até quando?
O superávit comercial de US$ 6,13 bilhões em agosto, alta de 35,8% frente a 2024, só foi possível graças à diversificação de mercados. As vendas para a China cresceram quase 30%, enquanto México e Índia ampliaram significativamente suas compras. Mas a dependência crescente de um mercado único — Pequim já responde por mais de 30% das exportações brasileiras — levanta questionamentos sobre a real autonomia da política comercial do país.
Crédito e cadeia produtiva sob pressão
O problema não se limita às estatísticas do comércio. As empresas exportadoras já sentem no caixa os efeitos da perda de competitividade. Margens comprimidas, necessidade de mais capital de giro e risco de inadimplência em cascata atingem fornecedores de insumos, transporte e serviços.
Levantamento da Global mostra que até 82% das dívidas B2B são recuperadas nos primeiros 10 dias; depois de 180 dias, esse número despenca para 12%. Traduzindo: sem uma gestão financeira ágil e apoio público mais consistente, a crise tarifária pode virar crise de crédito.
Governo tenta apagar incêndio, mas corre atrás dos fatos
O pacote emergencial de R$ 30 bilhões em crédito anunciado por Brasília soa mais como paliativo do que como estratégia de longo prazo. Especialistas apontam que medidas como diversificação de mercados e revisão de contratos já vinham sendo discutidas há anos, mas só ganharam força após o tarifaço. Mais uma vez, o país reage ao impacto em vez de antecipar cenários.
Oportunidade ou armadilha?
Analistas dividem-se: para alguns, a crise pode acelerar a modernização da gestão de riscos e a integração das cadeias produtivas; para outros, sem política industrial consistente e sem reforço da diplomacia comercial, o Brasil continuará refém de choques externos.
O tarifaço de Trump, portanto, não é apenas um revés temporário: é um teste de resiliência política e econômica. O que se vê até agora é um governo tentando equilibrar os pratos com medidas emergenciais, enquanto setores inteiros da economia pedem previsibilidade e planejamento. O risco é que, no embalo da retórica de “resiliência”, o Brasil se acomode à dependência de novos compradores, sem resolver as vulnerabilidades de fundo.